Pelo relato de Dona Aparecida dos Santos, uma brasileira homônima da Padroeira do Brasil, foi possível comparar duas realidades diferentes de uma data emblemática, que na prática se revela como não pertencente a todas as crianças.
Por Andreza Lisboa, Daniel Damasio, Diogo Barros, Edson Costa, Fabrício Barboza e Jefferson Oliveira.
A cada dia 12 de outubro, feriado pelo dia de Nossa Senhora de Aparecida, também se comemora o dia das crianças. Motivadas pela folga, famílias partem para os parques, praças e praias à procura de lazer e diversão para seus filhos. Mas além desse cenário encantador, muitas crianças passam pelo feriado sem motivos nenhum para comemorar. Com histórias de vida que se repetem, crianças vêem o dia, que em tese seria seu, passar repleto de privações e descaso.
Basta observar a história da senhora Aparecida dos Santos, residente do bairro Santa Maria, popularmente conhecida como Terra Dura, que vive em um conjunto de casas doadas pelo governo. Segundo ela, a casa é extremamente pequena possuindo apenas um quarto, que serve para acomodar sete filhos juntamente com ela e seu marido. Trabalhando como catadora, dona Aparecida aproveita os fins de semana e feriados para pedir esmola na praça Hermes Fontes, já que o complemento de R$ 166 oferecido pelo Bolsa Família, programa assistencial do Governo Federal, torna-se insuficiente para sustentar todos da sua casa.
Dona Aparecida ressalta só atuar como pedinte nos
dias em que as crianças não têm escola e que, em hipótese alguma, não expõe seus filhos durante a mendicidade. Infelizmente, nem todas as informações
fornecidas por dona Aparecida podem ser consideradas confiáveis, já que as câmeras capturaram o momento em que seus filhos iam à porta dos veículos e se arriscavam em busca de míseras moedas dos motoristas.
Outro casal entrevistado foi Israel Vieira da Conceição e Maria de Fátima dos Santos, que possuem um relato de vida muito próximo com a da primeira entrevistada. Só que, quando questionado sobre o porquê seu Israel, um homem em
torno de seus 30 anos, não procura um emprego que lhe pague melhor, que o prive
de estar atuando como pedinte, ele responde enfaticamente. " Já tentei, mas não
dão emprego para pessoas que moram muito longe do centro da cidade, e mais especificamente para quem mora na Terra
Dura", diz. Contudo, foi possível notar um tom de desinteresse na resposta de Israel, o que representa, talvez, o real motivo por trás da sua apatia em busca de uma nova perspectiva de vida.
Dura realidade
É dia 12 de outubro de 2011. Encontramos a personagem que abre essa reportagem, Dona Aparecida, em um canteiro próximo à rótula da
Avenida Hermes Fontes, que dá acesso a um dos bairros mais nobre da cidade, o Jardins. Aparecida dos Santos, a matriarca, rodeada de filhos e
netos, conta parte de sua história se abrigando na
sombra de um sol causticante.
Dentre os filhos e netos de Aparecida, uma das crianças
mostrava possuir melhor iniciativa e habilidade para abordar os motoristas. Aliás, muitos dos condutores
paravam perto do canteiro já com a intenção de doar doces e brinquedos às criancas, que sempre se prostravam na frente dos veículos. Mas mesmo quando a criançada desistia da empreitada, a filha mais 'habilidosa' de Aparecida ia para o meio do
asfalto, em pleno meio dia, disputando espaço com os outros carros, e insistia no
pedido até para os carros com os vidros da janela fechados. A cena era contemplada pela dona Aparecida, e sua filha mais velha, mãe de alguns netos, que ficavam inertes à sombra
de uma árvore do local.
No canto de uma árvore, um saco
guardava todos os presentes recebidos pelas crianças naquele dia. A filha de
Aparecida, aquela que pedia com mais 'habilidade' e 'destreza', manipulava a boneca que foi presenteada, mas parecia
estar mais preocupada em guardar os pães dados pelos motoristas. O mais novo dos filhos pede à menina um dos pães que ela guarda, porém, sem muito cuidado, ele deixa o pão cair no meio da calçada imunda, mas o pega e
come sem causar nenhuma comoção a sua família.
Feriado de diversão
É dia 12 de Outubro de 2011. Agora, o cenário é diferente do que foi visto anteriormente. No
Parque da Sementeira, no bairro Jardins, várias famílias se reúnem para
comemorar o dia das crianças. Os brinquedos são tomados por elas, que em sua
maioria estão muito bem limpas e arrumadas. Sob o mesmo sol causticante, muitas
aparentam estar cobertas com bastante protetor solar, afinal a maioria delas
tem a pele muito clara.
A grande quantidade de automóveis
de luxo no lado de fora do parque sugere, que muitas das famílias presentes
possuem um alto poder aquisitivo. Inclusive, os números da economia mostraram
que espera-se um aumento na venda do setor de brinquedos motivadas unicamente pelo feriado.
Direito às crianças
A data 12 de outubro foi escolhida como dia das
crianças, por ser o dia da oficialização da Declaração Universal dos
Direitos das Crianças, criada pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a
Infância).
Dentre os vários princípios
contidos na declaração, o de número nove diz: “Não se deverá permitir que a
criança trabalhe antes de uma idade mínima adequada; em caso algum será
permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha qualquer ocupação ou
emprego que possa prejudicar sua saúde ou sua educação, ou impedir seu desenvolvimento
físico, mental ou moral.” Certamente o estado de pedinte em meio ao risco do
trânsito, visando o sustento da família, é uma transgressão a esse direito.
Aparecida, curiosamente, tem o
mesmo nome da santa católica que motiva o feriado. Mas não demonstrou estar num
dia festivo. Ao contrário da santa homônima, passava despercebida no meio da
Avenida com suas muitas crianças e sendo ela não a motivadora, mas sim o alvo
da caridade alheia.
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