sábado, 2 de julho de 2011

Ecos e repercussões da ocupação na reitoria da UFS 2011.1


Did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?
(Waters e Gilmour, 1975)

A luta por melhores condições em todas as esferas da vida social sempre se fez presente na pauta das reivindicações das associações livres da sociedade civil. Entre as diversas articulações municipais, estaduais, federais e internacionais, o que se vê, fazendo um recorte na mídia jornalística, é uma aparente maior e melhor organização dos diversos setores civis. Como importante coadjuvante dessa organização, as redes e mídias sociais registram e divulgam as ações que na maioria das vezes tem pouca ou nenhuma relevância para a grande indústria da mídia. Como parte desse registro, fotografamos alguns dias da recente manifestação dos estudantes de comunicação social da Universidade Federal de Sergipe, que entre 30 de maio e 10 de junho de 2011 ocuparam sua reitoria como forma não só de exigir melhorias educacionais quantitativas, e garantir através de audiência no Ministério Público Federal de Sergipe que tais exigências sejam cumpridas, com intuito que as melhorias educacionais almejadas sejam também qualitativas.

Último dia da ocupação, estudantes celebram vitória junto ao MPF-SE
Foto: Manuela Veloso

O estopim desse episódio, um entre muitos de ocupação da reitoria da UFS em seus 43 anos de existência, foi aceso em 2009, quando fora iniciado um processo de avaliação do curso que resultou num dossiê que tanto apontava os déficits como indicava soluções, praticamente as mesmas indicadas no Manifesto dos estudantes de Comunicação. De lá para cá o que foi feito se arrastou no passo da burocracia estatal de praxe. Houve necessidade de se abrir novos processos de licitação para concluir algumas obras abandonadas, além da abertura de novos cursos e novas turmas, contempladas com os mesmos déficits. Depois de toda essa pressão, a bolha finalmente estourou.

Jaciara, estudante de biologia solidária à causa dos estudantes de comunicação
social, é aplaudida ao final de sua fala dirigida ao Magnífico Reitor Josué Modesto, 
onde pediu providências urgentes "porque não aguentamos mais!" Dia 31/05
Ao fundo, André Cerqueira fotografa esse momento da ocupação para o texto
Segurem o Gato preto, de Lorena Ferro em postagem para o FotografiaUFS.
Em primeiro plano, Pedro Alves, atualizando o blog #ChegaDeMigalhas, enquanto
professor Cesar Bolaño ministra aula de economia da comunicação. Outros professores
levaram seus alunos para assistir aulas no mesmo espaço. 

Uma ocupação consiste basicamente em que os alunos reivindicantes ocupem os espaços administrativos da instituição com fim de, pacifica e ordeiramente, impedir seu funcionamento. Outras universidades tiveram suas reitorias ocupadas nesses últimos 5 anos. PUC-SP, USP, UFBA, UnB, UFAL, UFC, UFPB, UNICAP, UFAM, FSA, UFESUFMG, UFJFUFRJ, UFMS, UFMT, UFRGS, UFSMUFF, UESC, UFMA, UFPE e UNICAMP.

Dessas, que somam 23,  a única que tinha reivindicações diferentes foi a particular PUC de São Paulo, onde o que se pedia era a redução da mensalidade. As demais tinham praticamente as mesmas exigências, que se alternam entre retomada ou início de reformas estruturais, aquisição de equipamentos, contratação de professores,  moradia universitária. Se comparássemos a educação com um avião, dir-se-ia que de longa data ela voa caindo aos pedaços e com excesso de carga. Coincidentemente ou não, de uma maneira ou de outra essas ocupações todas contestam a política do REUNI, instituído em 2007 e tem o lema "Reestruturação e expansão das universidades federais". Pelas exigências quase oníssonas dos alunos, pode-se aferir que se evidencia uma contradição no lema?

Alunos de vários cursos vieram à reitoria durante a ocupação prestar solidariedade
aos alunos ocupados.

Os estudantes ocupados da UFS exigiam o que está expresso resumidamente na fala da estudante Talita Moraes. Caso queira se aprofundar na pauta reivindicatória leia o jornal 'Ocupe-se', editado pelos alunos após igualmente ocuparem a ASCOM. O resultado da campanha #ChegaDeMigalhas pode ser lidos na  ata da reunião no Ministério Público Federal de Sergipe, onde estiveram presentes o vice-reitor da UFS, Ângelo Antonioli, alunos ocupados e uma comissão de professores do Departamento de Comunicação Social, sob a condução do procurador Pablo Coutinho Barreto. Ao invés do antagonismo aparente entre alunos e representantes da escola, as benesses conseguidas para os alunos sem dúvida refletirão positivamente para todos.

O que foi conseguido? Prioridade máxima na contratação de professores substitutos e efetivos, para suprir a nossa demanda de 16 professores; Prioridade máxima no processo licitatório do futuro Prédio do CESAD, com espaço garantido para o DCOS; O comprometimento da Reitoria para abertura imediata do processo licitatório do Complexo de Comunicação para entrega em Setembro de 2012; A transferência da administração dos espaços laboratoriais do CEAV para o DCOS; A estruturação das salas de projeção audiovisual já para 2011.2; Aquisição de equipamentos e materiais, priorizando os cursos de Audiovisual e Publicidade e disciplinas como Fotografia; Audiência Pública sobre a Rádio UFS, planejada para Outubro de 2011. 



Hall da reitoria durante Assembléia Geral dos Estudantes.

A reunião aconteceu no mesmo dia da Assembleia Geral Extraordinária dos estudantes, convocada pelo Diretório Acadêmico de Comunicação Social  e pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, posto que há 4 anos não há assembleias gerais convocadas por quem de fato tinha, além do direito, o dever de convocar: o DCE.

Manifestações de apoio à ocupação durante a AGE, onde representantes de
sindicatos, professores foram dar aopio e alunos de diversos cursos foram ao microfone
para falar das dificuldades enfrentadas no dia à dia dos seus cursos.


Várias manifestações de professores, alunos de vários cursos, representantes de diversas entidades sindicais apoiando o movimento, além de informes e de atividades lúdicas, como a apresentação da peça 'Alice no país da REItoria', de autoria dos alunos ocupados. Ao final da peça, a atriz que interpretou Alice, a estudante de biologia Jaciara perguntou aos mais de duzentos presentes "É pra ocupar?" Senti o chão da reitoria tremer com um sonoro e uníssono grito coletivo: "OCUPA!"

'Alice no pais da REItoria'
Na lista de presença da AGE foram contados até às 20h30 duzentos e trinta e oito nomes. Esse número expressa, ao meu ver e na minha sincera opinião, que a ocupação, vitoriosa no seu objetivo principal, teve uma enorme derrota ao não conseguir a adesão da grande maioria de alunos do seu curso. Vê-se com isso na prática que ocupar uma reitoria ainda é muito mais fácil do que convencer as centenas de alunos do curso de comunicação social a participar de uma luta legítima para a melhoria da qualidade e das condições de ensino.

Teixeira Coelho, resume a fala do sociólogo francês Michel Maffesoli em seu livro 'A república dos bons sentimentos' sobre a contemporânea apatia: O momento atual é um desses em que jornalistas, universitários e políticos, em suma a intelligentsia, mostra-se em total falta de sintonia com a vitalidade popular. Para entender melhor em que isso consiste, é preciso por em evidência a lógica do conformismo intelectual reinante. Diante todos esses agravantes ainda divulgaram um texto apócrifo tentando difamar os organizadores da ocupação que só vale à pena ser citado pelo direito de resposta que suscitou.

Essa massiva e ensurdecedora apatia remete aos povos das cavernas de Platão; às pílulas vermelha e azul do filme Matrix; ao poema 'O analfabeto político', de Bertold Brecht; mas principalmente à música Wish you were here, gravada pelo grupo inglês de rock progressivo Pink Floyd em homenagem ao seu ex-vocalista Syd Barret, sequelado pelo uso de drogas alucinógenas e preso em seu mundo particular até 2006, quando faleceu. Essa música, que dá nome ao disco, diz o que gostaria de dizer a todos os estudantes ausentes na ocupação: como eu gostaria de ter você aqui!

Os estudantes ocupados da UFS exigiram demandas específicas do seu curso e conseguiram uma promessa acordada no MPF-SE. Mas sua realidade é um microcosmo que reflete o problemas semelhantes de todos os outros cursos. O buraco é muito mais embaixo e as deficiências são similares, posto que a política educacional, mesmo propagandeando o contrário, parece instaurar um processo de sucateamento, há muito evidente no ensino público fundamental e médio, em toda malha educacional superior. O que esses alunos ocupados fizeram foi o mesmo que alunos de outras épocas quando dificuldades nas políticas educacionais surgiram: não deixaram a escola atrapalhar seu estudo.

Texto e fotos André Teixeira

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