Did
you exchange
A
walk on part in the war
For
a lead role in a cage?
(Waters e Gilmour, 1975)
A luta
por melhores condições em todas as esferas da vida social sempre se
fez presente na pauta das reivindicações das associações livres
da sociedade civil. Entre as diversas articulações municipais,
estaduais, federais e internacionais, o que se vê, fazendo um recorte na mídia
jornalística, é uma aparente maior e melhor organização dos
diversos setores civis. Como importante coadjuvante dessa
organização, as redes e mídias sociais registram e divulgam as
ações que na maioria das vezes tem pouca ou nenhuma relevância
para a grande indústria da mídia. Como parte desse registro,
fotografamos alguns dias da recente manifestação dos estudantes de
comunicação social da Universidade Federal de Sergipe, que entre 30
de maio e 10 de junho de 2011 ocuparam sua reitoria como forma não
só de exigir melhorias educacionais quantitativas, e garantir através de audiência no Ministério Público
Federal de Sergipe que tais exigências sejam cumpridas, com intuito que as melhorias educacionais almejadas sejam também qualitativas.
|
Último dia da ocupação, estudantes celebram vitória junto ao MPF-SE
Foto: Manuela Veloso
|
O estopim
desse episódio,
um entre muitos de ocupação da reitoria da UFS em seus 43 anos de existência, foi aceso em
2009, quando fora iniciado um processo de avaliação do curso que
resultou num dossiê que tanto apontava os déficits como indicava
soluções, praticamente as mesmas indicadas no
Manifesto dos estudantes de Comunicação. De lá para cá o que foi feito se arrastou no passo da burocracia estatal de praxe. Houve necessidade de se abrir novos processos de licitação
para concluir algumas obras abandonadas, além da abertura de novos cursos e novas turmas, contempladas com os mesmos déficits. Depois de toda essa pressão, a bolha finalmente estourou.
|
Jaciara, estudante de biologia solidária à causa dos estudantes de comunicação
social, é aplaudida ao final de sua fala dirigida ao Magnífico Reitor Josué Modesto,
onde pediu providências urgentes "porque não aguentamos mais!" Dia 31/05
Ao fundo, André Cerqueira fotografa esse momento da ocupação para o texto
|
|
Em primeiro plano, Pedro Alves, atualizando o blog #ChegaDeMigalhas, enquanto
professor Cesar Bolaño ministra aula de economia da comunicação. Outros professores
levaram seus alunos para assistir aulas no mesmo espaço. |
Uma
ocupação consiste basicamente em que os alunos
reivindicantes ocupem os espaços administrativos da instituição
com fim de, pacifica e ordeiramente, impedir seu funcionamento. Outras universidades tiveram suas reitorias ocupadas nesses últimos
5 anos.
PUC-SP,
USP,
UFBA,
UnB,
UFAL,
UFC,
UFPB,
UNICAP,
UFAM,
FSA,
UFES,
UFMG,
UFJF,
UFRJ,
UFMS,
UFMT,
UFRGS,
UFSM,
UFF,
UESC,
UFMA,
UFPE e
UNICAMP.
Dessas, que somam 23, a única que tinha reivindicações diferentes foi a particular PUC de São Paulo, onde o que se pedia era a redução da mensalidade. As demais tinham praticamente as mesmas exigências, que se alternam entre retomada ou início de reformas estruturais, aquisição de equipamentos, contratação de professores, moradia universitária. Se comparássemos a educação com um
avião, dir-se-ia que de longa data ela voa caindo aos pedaços e com excesso de carga. Coincidentemente ou não, de uma maneira ou de outra essas ocupações todas contestam a política do
REUNI, instituído em 2007 e tem o lema "Reestruturação e expansão das universidades federais". Pelas exigências quase oníssonas dos alunos, pode-se aferir que se evidencia uma contradição no lema?
|
Alunos de vários cursos vieram à reitoria durante a ocupação prestar solidariedade
aos alunos ocupados. |
Os estudantes ocupados da UFS exigiam o que está expresso resumidamente na fala da estudante
Talita Moraes. Caso queira se aprofundar na pauta reivindicatória leia o jornal
'Ocupe-se', editado pelos alunos após igualmente ocuparem a ASCOM. O resultado da campanha #ChegaDeMigalhas pode
ser lidos na
ata da reunião no Ministério Público Federal de
Sergipe, onde estiveram presentes o vice-reitor da UFS, Ângelo Antonioli,
alunos ocupados e uma comissão de professores do Departamento de
Comunicação Social, sob a condução do procurador Pablo Coutinho
Barreto. Ao invés do antagonismo aparente entre alunos e
representantes da escola, as benesses conseguidas para os alunos sem
dúvida refletirão positivamente para todos.
O que foi
conseguido?
Prioridade
máxima na contratação de professores substitutos e efetivos, para
suprir a nossa demanda de 16 professores; Prioridade máxima no
processo licitatório do futuro Prédio do CESAD, com espaço
garantido para o DCOS; O comprometimento da Reitoria para abertura
imediata do processo licitatório do Complexo de Comunicação para
entrega em Setembro de 2012; A transferência da administração dos
espaços laboratoriais do CEAV para o DCOS; A estruturação das
salas de projeção audiovisual já para 2011.2; Aquisição de
equipamentos e materiais, priorizando os cursos de Audiovisual e
Publicidade e disciplinas como Fotografia; Audiência Pública sobre
a Rádio UFS, planejada para Outubro de 2011.
|
Hall da reitoria durante Assembléia Geral dos Estudantes. |
A reunião
aconteceu no mesmo dia da
Assembleia Geral Extraordinária dos estudantes, convocada pelo Diretório Acadêmico de
Comunicação Social
e pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, posto que há 4 anos não há assembleias
gerais convocadas por quem de fato tinha, além do direito, o dever
de convocar: o DCE.
|
Manifestações de apoio à ocupação durante a AGE, onde representantes de
sindicatos, professores foram dar aopio e alunos de diversos cursos foram ao microfone
para falar das dificuldades enfrentadas no dia à dia dos seus cursos. |
Várias manifestações de professores, alunos de
vários cursos, representantes de diversas entidades sindicais
apoiando o movimento, além de informes e de atividades lúdicas,
como a apresentação da peça 'Alice no país da REItoria', de
autoria dos alunos ocupados. Ao final da peça, a atriz que interpretou Alice, a estudante de biologia Jaciara perguntou aos mais de duzentos presentes "É pra ocupar?" Senti o chão da reitoria tremer com um sonoro e uníssono grito coletivo: "OCUPA!"
|
'Alice no pais da REItoria' |
Na lista
de presença da AGE foram contados até às 20h30 duzentos e trinta e
oito nomes. Esse número expressa, ao meu ver e na minha sincera
opinião, que a ocupação, vitoriosa no seu objetivo principal, teve
uma enorme derrota ao não conseguir a adesão da grande maioria de
alunos do seu curso. Vê-se com isso na prática que ocupar uma
reitoria ainda é muito mais fácil do que convencer as centenas de
alunos do curso de comunicação social a participar de uma luta
legítima para a melhoria da qualidade e das condições de ensino.
Teixeira Coelho,
resume a fala do sociólogo francês Michel Maffesoli em seu livro 'A república dos bons sentimentos' sobre a contemporânea apatia:
O momento atual é um desses em que jornalistas, universitários e políticos, em suma a intelligentsia, mostra-se em total falta de sintonia com a vitalidade popular. Para entender melhor em que isso consiste, é preciso por em evidência a lógica do conformismo intelectual reinante. Diante todos esses agravantes ainda divulgaram um
texto apócrifo tentando difamar os organizadores da ocupação que só vale à pena ser citado pelo
direito de resposta que suscitou.
Essa
massiva e ensurdecedora apatia remete aos
povos das cavernas de Platão; às
pílulas vermelha e azul do filme Matrix; ao poema
'O analfabeto político', de Bertold Brecht; mas principalmente à música
Wish you were here, gravada pelo grupo inglês de rock progressivo
Pink Floyd em homenagem ao seu ex-vocalista Syd Barret, sequelado
pelo uso de drogas alucinógenas e preso em seu mundo particular até
2006, quando faleceu. Essa música, que dá nome ao disco, diz o que gostaria
de dizer a todos os estudantes ausentes na ocupação: como eu
gostaria de ter você aqui!
Os estudantes ocupados da UFS exigiram demandas específicas do seu curso e conseguiram uma promessa acordada no MPF-SE. Mas sua realidade é um microcosmo que reflete o problemas semelhantes de todos os outros cursos. O buraco é muito mais embaixo e as deficiências são similares, posto que a política educacional, mesmo propagandeando o contrário, parece instaurar um processo de sucateamento, há muito evidente no ensino público fundamental e médio, em toda malha educacional superior. O que esses alunos ocupados fizeram foi o mesmo que alunos de outras épocas quando dificuldades nas políticas educacionais surgiram: não deixaram a escola atrapalhar seu estudo.
Texto e fotos André Teixeira