quinta-feira, 21 de abril de 2011

Sobre a cegueira midiática e as alegorias da caverna

por André Teixeira


Lembre-se daquela frase da Karl Marx: “A Força é a parteira do Progresso”. Ele poderia ter acrescentado [...] que o Progresso é a parteira da Força. Duplamente a parteira, pelo fato de que o progresso tecnológico fornece aos homens os instrumentos de destruição cada vez mais indiscriminada, enquanto o mito do progresso político e moral serve de pretexto para o uso desses meios até o último limite.

Aldous Huxley, em 'O macaco e a essência”

Carmópolis/SE, de cima. A imagem - cavalos mecânicos para prospecção de petróleo,
obtida via Google maps, foi apresentada no trabalho da Profª Gicélia Mendes da Silva.

Quando o ensaísta norte americano Henry David Thoreau escreveu “A vida nos bosques”, não sabia que lançava a pedra fundamental dos movimentos ecológicos do século XX. O livro é um manifesto poético que confronta o modelo da sociedade industrial. Publicado em 1854, antecipa em mais de um século o que hoje é muito mais que uma tendência e não apenas uma pauta constante na mídia, mas sim uma urgente necessidade: a de aprofundar a discussão acerca dos problemas relacionados ao meio ambiente provocados pela má condução desse modelo e seu reflexo negativo na vida em seus diversos aspectos.

Auditório cheio na abertura do EICA, que contou com representantes
dos realizadores e apoiadores do evento.
Como forma de ampliar o debate sobre o tema, o Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental – LICA, realizou entre os dias 13 e 15 de abril, na Universidade Federal de Sergipe, em parceria com o Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, ambos da UFS, o 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental – EICA, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe – FAPITEC, do SEBRAE/SE e da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Aracaju (SECOM-PMA).




'Pescador visto de cima'. Confira a galeria
de fotos da exposição 'A cidade, os seres
e o ambiente': http://migre.me/4iI7I
O evento foi aberto com a exposição fotográfica “A cidade, os seres e o ambiente, seguida de uma mostra de vídeos ambientais do acervo do projeto Circuito Tela Verde, organizada Cine Mais UFS. O EICA teve como objetivo aglutinar, debater e divulgar pesquisas e experiências relacionadas ao papel da informação, da comunicação e da mídia no enfrentamento dos problemas ambientais contemporâneos. 


Nesse intuito vieram ao Sergipe professores, mestres, doutores e pesquisadores de diversas áreas: jornalismo, marketing, publicidade, audiovisual, educomunicação, serviço social, economia, ciências sociais, educação. Foram discutidos os temas Comunicação ambiental de risco: a questão do petróleo, Percepções e imagens do meio ambiente na mídia, Discursos sobre o desenvolvimento sustentável e Ambientalismo, consumismo e marketing verde, debatidos em mesas redondas no 2º dia, além de quarenta trabalhos selecionados para explanações orais que visaram discutir a problemática ambiental pelo viés de como a mídia trata o assunto, de como a comunicação em suas diversas vertentes (marketing, publicidade, jornalismo, etc) se inserem nesse contexto, no último dia.


No que tange a organização do Encontro, todos os louros para os responsáveis. No sentido estrito dos termos propostos, o EICA atingiu plenamente seu objetivo. No sentido amplo, no entanto, careceu do mal que aflige Palestras, Congressos e afins: o tempo exíguo para assimilação das muitas informações importantes para profundas reflexões. 


Mesa que debateu a Comunicação ambiental de risco: a questão do petróleo: Nilton Marlúcio de Arruda, Sonia Aguiar, Ana Cristina Machado e Gicélia Mendes da Silva, uma das autoras do trabalho "Petróleo, Royalties, e Pobreza".

Os vários discursos, quer das mostras de foto e vídeo, ou na fala dos palestrantes e debatedores dos três dias do evento - das quais destaco a da Profª Drª Gicélia Mendes da Silva, sobre os royalties do petróleo e seus reflexos sociais em Sergipe, fizeram coro às palavras do Prof. Dr. Carlos Walter Porto-Gonçalves, que proferiu a conferência de abertura, “O papel da informação e da comunicação em tempos de neoliberalismo ambiental”.

Wesley Pereira de Castro, aluno da UFS que escreveu
ótimo texto sobre a palestra do professor Carlos.
Após apresentar uma linha do tempo com fatos importantes para a discussão ambiental - a Revolução Industrial, o movimento da contracultura nos anos 60, os acordos realizados no âmbito da política internacional que institucionalizaram o tema a partir dos anos 70, incluindo-o na agenda dos “países em desenvolvimento” - ou “novos colonizados”; os anos 80, que apresentaram ao mundo um novo protagonista no debate ambiental, Chico Mendes, incensado pela “grande” mídia brasileira após ser matéria na imprensa internacional no dia seguinte à sua morte; a ECO-92 no Rio de Janeiro; O protocolo de Kioto, o professor expôs os grandes problemas das ações e inações contemporâneas. 

Um dos principais dilemas é o de como a imprensa silencia e os meios de comunicação não tratam das questões com a devida profundidade, de forma a manipular (direta ou indiretamente) a informação. Para exemplificar disse que “Discute-se muito o efeito estufa mas não se discute a causa do efeito estufa”. Disse também que a última contabilização dos números referentes a disputas territoriais  no Brasil somam 880 conflitos, dos quais o MST não é responsável pela maioria. "Por que essa informação não está na grande mídia”.

Vídeo disponibilizado por Elaine Casado

Paradoxo: “Por que se tem uma devastação tão intensa no momento em que tanto se fala em salvar o planeta. A gente tem um dilema: parece que não é o planeta que está se beneficiando do discurso de salvação do planeta” Carlos Walter Porto-Gonçalves 

Sobre esse grande ou parcial silêncio, que é alimentado pelas corporações que pautam - quando não são os locadores dessas novas cavernas de Platão - a indústria midiática, peço emprestado ao sociólogo francês Michel Maffesoli, considerado um dos fundadores da sociologia do cotidiano, um parágrafo do seu livro "Saturação": 

"Na corte dos imperadores bizantinos, existiam os silenciadores oficiais. A função deles era fazer calar os perturbadores de toda ordem, para que reinasse apenas o pensamento estabelecido. Para usar palavras contemporâneas, trata-se da conspiração do silêncio, descartando insidiosamente todas as análises que lembram que não se saberia reduzir o grande desejo de viver, em seu aspecto qualitativo, à mesquinha necessidade em seus limites quantitativos."

Mas, em tempos das redes e mídias sociais, do ativismo ambiental e político de blogueiros isolados ou em grupos, da convergência midiática na prática, dos canais alternativos para se obter informação, cega-se muitas vezes pela certa conveniência dos comodismos hodiernos. Como bem o disse Saramago, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem”. Só numa sociedade orientada por esses valores é que pais levam seus filhos menores para tomar banho em águas ridiculamente entupidas com seus próprios coliformes fecais, no fim-de-semana-padrão-dos-trópicos. Só uma sociedade orientada pelo sucesso do capital aceita passiva a cumplicidade no assassinato de milhares de brasileiros, ano a ano, pela faca invisível do enxofre contido no DIESEL nacional, cujo índice é 50 vezes maior que o padrão internacional. Em 2009 deveria ter sido feita a adaptação de carros pelas montadoras e do combustível pela Petrobras. Mas uma liminar prorrogou o prazo por mais alguns anos. Sobre o assunto jornalista Clóvis Rossi,  escreveu o texto "A gripe, o enxofre, o bolso, a vida". onde arremata: "Então, tá. A vida não é nada. O lucro é sagrado."

Além dos saberes interdisciplinares,  vemos como necessário, para desanuviar essa cegueira perenizada pelos atuais silenciadores oficiais, lançar mão de um entendimento holístico para que se perceba que essa visão antropocêntrica, norteadora da sociedade indústrial capitalista - entrópica por natureza, só levará o homem cada vez mais rápido ao seu fim como espécie. 

2 comentários:

  1. Recomendo a leitura do excelente artigo “EIXO DE DESENVOLVIMENTO = EIXO DE DEVASTAÇÃO E CONFLITO”, sobre a palestra do Prof. Dr. Carlos Walter, de autoria do colega Wesley PC, postada no blog Comunidade Gomorra:http://gomorra69.blogspot.com/2011/04/eixo-de-desenvolvimento-eixo-de.html

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  2. Puxa, nem sei por onde começar: pela ratificação dos louros aos organizadores do evento, de fato, mais do que merecedores de nossos parabéns sinceros; pelo agradecimento lisonjeado de minha parte, no que tange a esta citação tão carinhosa; na pertinente exaltação intelectual que me tomou de assalto diante de tuas pertinentes menções ao Henry David Thoreau e ao José Saramago, aqui reimortalizado numa citação genial...

    Puxa, André camarada, por que não me apresentaste a este 'blog' antes?! E sim, de fato, somos vítimas e retroalimentadores do dilema supracitado e tão desalinhavado... Uma crise de cegueira disfarçada de multi-ocularidade midiática que ainda renderá muitas discussões relevantes (como esta, por exemplo), mas, que, infelizmente, tendem a ser silenciadas pelo vil metal... Pena!

    Muito obrigado pela citação tão digna num texto tão percuciente, obrigado de coração.

    E sigamos lutando, sempre e sempre!

    WPC>

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